Adoro cinema, assim com c minúsculo mesmo. Na verdade, adoro filmes. Não considero cinema uma Arte, por mais belas, bem feitas, emocionantes, estética ou narrativamente inovadoras que suas imagens sejam. Falha de caráter, eu sei (não ouso nem dizer o que penso do teatro). Contudo, isso não me impede de adorar assistir a eles. Tenho, por certo, uns tantos favoritos, mas isso não vem ao caso aqui. O que eu queria dizer é que, apesar de adorar cinema, sinto que algo se perdeu quando os filmes se tornaram coloridos e falados. Não que isso tenha sido ruim. Há filmes mudos e em preto e branco tão ruins quantos muitos coloridos, assim como há coloridos tão maravilhosos quanto tantos mudos e em P&B.
Não, esse não é o problema. Até, digamos, o comecinho da década de 30, o cinema foi uma linguagem exclusivamente visual, uma forma de contar histórias por meio da projeção de imagens numa tela bidimensional. O advento do som e da cor criou a ilusão de uma terceira dimensão, mas ao mesmo tempo, para o bem ou para o mal, roubou das imagens a sua pureza. Afinal, as imagens não tinham mais de fazer todo o trabalho: o som e a cor debilitaram a linguagem a que, supostamente, deveriam fortalecer.
Hoje, assisti a um trecho de um filme de Buster Keaton, um dos maiores atores da era do cinema mudo. De repente, ocorreu-me que eu via uma arte morta, um gênero finado e que nunca mais viria a ser praticado. No entanto, apesar de todas as mudanças que os anos trouxeram ao cinema (som, cor, dolby surround, etc.), a obra de artistas como Keaton e Chaplin continua tão nova e revigorante como quando foi exibida pela primeira vez. E isso acontece só porque eles compreenderam a linguagem que utilizaram. Afinal, a maior parte dos filmes mudos mal se dá ao trabalho de contar uma história. Além disso, nós os vemos através de um abismo de esquecimento, mas são precisamente as coisas que os separam de nós que nos cativam: a mudez, a ausência de cor, os ritmos acelerados, descompassados e convulsivos. Interessante notar que, ainda que essas coisas sejam obstáculos (e, como tal, dificultem a nossa visão), ao mesmo tempo elas aliviam as imagens do fardo da representação do mundo real.
Entre nós e um filme mudo posta-se o vazio de uma era esquecida. Como diria Paul Auster: “Não precisávamos mais fingir que estávamos olhando para o mundo real. A tela plana era o mundo e esse mundo existia em duas dimensões. A terceira estava em nossa cabeça.”
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