Velho. Muito velho. Vivido.
88 anos, duas Grandes Guerras, uma Revolução Constitucionalista, algumas quarteladas, dois golpes civis, um militar. Ninguém passa por tudo isso impunemente, e seu rosto o comprova.
Rugas, muitas rugas. Ferramentas. Quando eu era criança, meu avô era suas ferramentas: forte, frio, duro, às vezes maleável. Mas sempre com um propósito, um quê utilitarista. Eu sempre queria brincar com elas. Ele quase nunca deixava. Elas ficavam em uma edícula minúscula. Eu ia lá escondido para mexer nelas, tentando inventar uma utilidade para peças das quais eu nem sabia o nome. Eu não sabia o que fazer com aqueles instrumentos, mas ele sim. Hoje, essas ferramentas estão comigo. Ele me deu de presente, herança, legado. Eu as guardo em um armário envidraçado, feito peças em um museu. São belas demais para serem jogadas em uma caixa de ferramentas comum. Fascinação.
Olhar cansado, muito cansado. Olhos azuis lívidos, de quem já viu de tudo, e que hoje cultivam uma engenhosa catarata. Cada vez mais baços. Fuga? Não quer ver mais nada. Cansaram-se. Cansou.
Sábio, muito sábio. Apesar de quase totalmente surdo, só faz ouvir, pouco dizer. De pedir? Nada. Temos de adivinhar. E o fazemos mal, garanto.
Melanomas, câncer de próstata, metástase na bexiga. Hidrocefalia. Falência renal. Ainda assim continua lá, sorrindo quando vê os netos e o bisneto. Marcas profundas. Orgulho. Meu avô.
Está se esvaindo a cada dia, a olhos vistos está morrendo. Mas vai viver para sempre na memória de suas filhas e netos, em suas ferramentas e em seu bisneto: meu filho.
Velho, muito velho. Viveu.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário