Então você está lendo um livro dividido em quatro partes: uma biografia, três peças teatrais, um manual de um jogo de beisebol em cartas e um romance policial “noir”. Você pensa: “Putz, o cara juntou em um só livro tudo que ele não conseguiu publicar.”
A biografia é parcial. Trata somente de como o autor tornou-se escritor: das forças, influências e descaminhos que o levaram a viver da palavra. Ele deixa claro que as peças teatrais, escritas praticamente de uma só sentada em 1976, não são muito boas e que o jogo de cartas que ele inventou foi feito por puro desespero, pois ele já não conseguia manter a família vivendo de traduções e artigos. Além disso, o romance “noir”, apesar de acima da média para o gênero, praticamente não saiu da editora, que faliu justo à época do lançamento.
Você pensa: “Putz, que cara azarado”, e continua: “Eu tinha razão, a biografia é pretexto para ele juntar um monte de lixo em um só livro.”
Eis que você termina a parte biográfica e lê as peças e o manual do jogo.
Você vê que as peças retratam exatamente o que o autor passava à época. São quase uma encenação invertida, ao contrário, de ponta-cabeça e em preto e branco dos anos de fome e aprendizado do autor (Não é à toa que o livro se chama “Da Mão à Boca” – ele teve de aprender o ofício de escrever como um bebê aprende a comer, enquanto vivia com orçamento apertado). O manual ainda parece meio fora de conjunto e você começa a ler o romance “noir”. E é aí, bem aí, lá pela página 192, que o autor o força a lembrar que ele é genial.
O detetive (alter ego do autor, para variar) tem de resolver um caso para... um ex-jogador de beisebol! “Graças a Deus pelo manual”, você pensa (principalmente se você for como eu, que não manja nada desse esporte).
E então você compreende que está tudo perfeitamente ligado no livro, nada é por acaso. As peças funcionam como preparação para o ambiente sufocante do romance além de representar o que o autor passava nos anos 70 (como eu já disse). O manual serve para explicar como ele estava desesperado atrás de dinheiro, mas também ajuda na compreensão da narrativa do romance negro. O romance, por sua vez, junta todos as paixões e preocupações do autor à época em que foi escrito: literatura, beisebol, Paris, falência, mulher, divórcio, acaso, mistério, coincidência, sincronicidades, etc. (estas quatro últimas resumem toda a obra de Paul Auster, diga-se).
O cara é ou não é genial?
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