08/04/2005

"Caligrafias", Adriana Lisboa

Adriana Lisboa escreve com uma doçura e um cuidado com a palavra raros de se encontrar na literatura brasileira atual, na tal da "escola urbana", em que estamos acostumados a nos deparar com vulgaridades, palavrões gratuitos e narradores auto-complacentes sonhando em ser Fante ou Bukowski.
Este seu mais recente livro, "Caligrafias", reúne "pequenas histórias" escritas entre 1996 e 2004. Algumas, como "Verità" ou "Botânica", são de uma delicadeza emocionante. São mini-contos, pequenos ensaios sobre a vida em solidão, mesmo quando a dois.
As narrativas contêm um quê de espiritualidade oriental, uma atmosfera zen que as permeia, como em "Mergulho":

"Quando a rã vislumbrou o lago, esqueceu-se da floresta de pinheiros." (Se o texto parasse aí, creio que ninguém duvidaria tratar-se de um provérbio chinês.)

Contudo, a delicadeza da escrita contrasta com o conteúdo invariavelmente forte das cenas. Os textos "Morte", sobre a visão de um cão atropelado e a solidão, e "Humanidade", sobre a carnificina e gratuidade da vida doméstica, são ótimos exemplos. O contraste só faz realçar ainda mais a força das cenas, das imagens que a autora nos despeja na cara. Há também a discrepância, mais óbvia ainda, entre a leveza da escrita e os pungentes desenhos que a acompanha, de autoria de Gianguido Bonfanti. Desenhos nervosos, feitos com traços imprecisos a bico de pena e pincel japonês. Lindos, eles realmente complementam as histórias, dando-lhes uma dimensão mais contemplativa, quase angustiante.
"Caligrafias" é um livro pequeno, mas que encerra belos "insights" sobre a natureza humana.

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