De dores ou "log" de um nascimento

Dizem que a dor do parto é como uma faca que vem cortando as entranhas.
Pois eu digo que mulheres não sabem o que é dor de verdade.
Semana passada, eu dei uma topada de dedinho do pé na quina de uma mesinha de centro. Eu vi estrelas. A bem da verdade, as estrelas me viram, pois eu dei um salto astronômico enquanto berrava palavrões astrológicos. Aquilo sim é dor, o resto é leve incômodo.

Agora, retomando o assunto, parturiente das boas é a Karem, minha mulher:

1) Começou a sentir contrações às 3 da manhã, mas não quis ligar para o médico para não incomodá-lo (e a Karem é tão boa patroa que também não me acordou - ficou sozinha na sala.)

2) Às 6h30 ela me acorda dizendo que chegara a hora. Eu: "Vamos para o hospital", ela: "Não, já são 6h30. Vamos antes levar o Thomas à escola e passar no posto de saúde [onde ela trabalha] entregar o papel da licença maternidade." Eu: "Ok". Ela finalmente liga para o médico.

3) Chegamos ao hospital lá pelas 7h40. Não tinha quarto. A Karem foi esperar vaga no "conforto" do pré-operatório.

4) 8h20, obstetra chega. Examina. Fica branco, pálido, alvo. Sua frio. Diz: "Está com 8cm de dilatação...", Karem: "E você vai operar agora, né?", ele, nervoso: "É, tenho de realizar uma histerectomia agora. Estão me esperando no centro cirúrgico.", ela, supercalma: "Pode ir, Alfredo. Eu agüento.", ele: "Se você sentir muita dor, chama o anestesista.", ela: "Tá bom.", eu, em pensamento: "Putaqueopariu, caralho! 8cm é um rombo!", eu, verbalizando: "Ok."

5) Intermezzo: eu tento sorrir para ela o tempo todo. Aparentemente, meu sorriso quando nervoso deixa um atormentante esgar em meus lábios e um olhar digno de psicopata. Ela sorri o tempo todo, à exceção de um fechar de olhos e morder de lábios de tempos em tempos: contrações.

6) 11h18, o enfermeiro vem nos pegar. Eu vou me trocar no vestiário dos médicos, onde o obstetra e o pediatra, conhecidos nossos, não param de falar palavrão e besteira com outro médico. Eu fico chocado, pois só os conheço bem de consultório. Arrisco concordar: "É, mesmo. Jogar machucado é uma merda." Eu não jogo futebol.

7) 11h43, a Karem, finalmente, recebe anestesia já na mesa de parto. Aparentemente, a anestesia é só para a mãe, acompanhante não tem direito. Aparentemente, o anestesista tende a ficar ofendido se você tenta suborná-lo.

8) 11h52, Eu, não largo a mão da Karem. Todos pensam que é para apoiá-la, mas é para eu não sair correndo dali. Eu não tiro os olhos do rosto dela. Todos pensam que sou amoroso, mas é para tentar ignorar um troços que caem em um balde debaixo dela.

9)11h58, a enfermeira me diz: "Venha olhar! Tá saindo!". Como eu respeito cegamente pessoas de uniforme, mascaradas e de posse de instrumentos pérfuro-cortantes, obedeci e olhei a tempo de ver o Thiago sendo expedido na velocidade do som e o obstetra catando-o em pleno vôo (obstetras dariam ótimos "quarterbacks", mas divago). O médico pega o Thiago e o levanta como um troféu. Maior "mise-en-scène", mas eu sou emotivo e caio na encenação: choro.

10) O obstetra coloca Thiago no colo da Karem. Ele é muito mais lindo que os filhos de todas vocês, sinto muito. Contra fatos não há argumentos.

11) 12h, o pediatra leva Thiago para limpar e fazer uns testes. Eu não tiro os olhos da Karem. Todos pensam que sou amoroso, mas é para tentar ignorar um troços que caem em um balde debaixo dela. De novo.

12) 12h05, o pediatra volta com o Thiago e põe no colo da Karem, para mamar: "Assim ele já sente seu cheiro e tal". Thiago põe-se a mamar imediatamente. Eu: "Não tem jeito, é realmente meu filho. Comida é com a gente mesmo."

13) 13h40, sala de recuperação, esperando quarto. Eu: "Meu, que demais. Vamos ter outro filho?"

14) 16h43, eu acordo na enfermaria. Aparentemente, mulheres não gostam de pensar em ter outro rebento logo após terem sido arrebentadas.