Velho. Muito velho. Vivido.
89 anos, duas Grandes Guerras, uma Revolução Constitucionalista, algumas quarteladas, dois golpes civis, um militar. Ninguém passa por tudo isso impunemente, e seu rosto o comprovava.
Rugas, muitas rugas. Ferramentas. Quando eu era criança, meu avô era suas ferramentas: forte, frio, duro, às vezes maleável. Mas sempre com um propósito, um quê utilitarista. Eu sempre queria brincar com elas. Ele quase nunca deixava. Elas ficavam em uma edícula minúscula. Eu ia lá escondido para mexer nelas, tentando inventar uma utilidade para peças das quais eu nem sabia o nome. Eu não sabia o que fazer com aqueles instrumentos, mas ele sim. Hoje, essas ferramentas estão comigo. Ele me deu de presente, herança, legado. Eu as guardo em um armário envidraçado, feito peças em um museu. São belas demais para serem jogadas em uma caixa de ferramentas comum. Fascinação.
Olhar cansado, muito cansado. Olhos azuis lívidos, de quem já viu de tudo, e que hoje finalmente se fecharam para o mundo. Cerraram-se. Fuga? Não quis ver mais nada. Cansaram-se. Cansou.
Sábio, muito sábio. Apesar de quase totalmente surdo, só fazia ouvir, pouco dizer. De pedir? Nada. Tínhamos de adivinhar. E o fazíamos mal, garanto.
Melanomas, câncer de próstata, metástase na bexiga e nos ossos. Hidrocefalia. Falência renal. Pneumonia dupla. Velhice, enfim. Marcas profundas. Orgulho. Meu avô.
Hoje ele se foi de vez. Mas vai viver para sempre em mim, em suas ferramentas e em seu bisneto: meu filho.
Velho, muito velho. Viveu.
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2 comentários:
Fá, seu avô não foi só sábio. Ele foi e é um iluminado, tanto que ele teve o privilégio de partir deste mundo no mesmo dia em que chegou. Isso não é para qualquer um. Abraços
Tia Vera
Fá!Excelente homenagem ao Homem que foi: um amoroso marido; carinhoso pai; sogro amigo; afetuoso avô e no entardeceer de sua vida, ainda tinha, apesar de sua debilidade, um fio de sorriso para saudar seu pequeno bisneto.Deus o tenha.
Sérgio.
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