O dia em que a maré vazou

Um dia, em um vilarejo no fim do mundo, a maré se esvaiu e jamais retornou.
O mar sumiu sem dar aviso.
Primeiro, as pessoas só estranharam. Elas continuaram fofocando e brigando pelas mesmas coisinhas de sempre. Mas logo um silêncio começou a permear todo o vilarejo: um deserto inacreditável estava se formando perante os olhos de todos.
As semanas se passaram e ainda não havia sinal do mar. As pessoas começaram a ficar preocupadas e resolveram fazer uma busca na esperança de trazê-lo de volta. Conforme os dias se passavam, cada vez mais gente o procurava. As pessoas vasculharam léguas além dos limites do vilarejo, em todas as direções, mas o oceano realmente sumira sem deixar rastro.
A terra farta, outrora fértil, tornara-se árida e inacessível.
Então, uma forma surgiu no horizonte. Como em uma onda de calor, as pessoas viram o que parecia ser águas torrenciais vindo a caminho delas. Uma onda de excitação varreu o vilarejo enquanto o povo ansiosamente observava o retorno do mar. Mas conforme ela se aproximava, a forma ia se transformando, transmutando: o que parecia ser águas torrenciais eram, na verdade, cavalos selvagens. Para onde olhassem, as pessoas viam cavalos se aproximando cada vez mais e mais.
A excitação tornou-se medo, e o medo tornou-se pânico. Nada parecia ser capaz de deter o avanço dos animais que chegavam sem dar aviso, assim como foi com o sumiço do mar.
Mas ninguém, nem mesmo por um instante, parou de se perguntar por que o oceano havia sumido em primeiro lugar.
As pessoas não tiveram escolha a não ser crer que os cavalos as levariam até o mar. Sem arreios nem selas, elas montaram nos animais selvagens e cavalgaram pela terra árida. Contudo, o oceano realmente desaparecera de vez.
Então as pessoas, unidas ou sozinhas, não tiveram escolha a não ser encararem umas às outras e enfrentarem sua perda coletiva. Assim, elas fizeram daquele novo ambiente um novo lar e aprenderam a viver no espaço que o mar outrora ocupara, apesar de ele permanecer para sempre ocupando seus sonhos...